segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Guerra colonial no cinema português

Guerra Colonial no cinema: portugueses não olham para as feridas do passado

António-Pedro Vasconcelos, Margarida Cardoso e João Botelho, três realizadores que colocaram a guerra colonial no cinema, dizem agora, 50 anos depois do começo do conflito, que os portugueses não olham para as feridas do passado.


Um Adeus Português, de 1985, é considerado o primeiro filme português de ficção a abordar diretamente a questão da guerra colonial e João Botelho fê-lo porque "não aguentava mais o silêncio", disse à agência Lusa.

"Foi uma guerra de desgaste, de podridão e senti que precisava de romper o silêncio", recordou, admitindo que fez o filme também como uma espécie de catarse pessoal, porque lhe morreu um irmão em treinos militares.

"É um filme sobre a derrota e é uma coisa sobre a qual ninguém fala. Os portugueses não falam sobre a guerra", criticou o cineasta.

Se a produção de cinema de ficção em Portugal não é muito extensa, a que diz respeito direta ou indiretamente à guerra colonial, ao pós-guerra, aos efeitos na sociedade portuguesa, à emigração, aos retornados, à identidade de Portugal, é ainda menor.

Além de Um Adeus Português, citam-se os exemplos de Non ou a Vã Glória de Mandar (1990), de Manoel de Oliveira, e os mais recentes Costa dos Murmúrios (2004), de Margarida Cardoso, Os Imortais (2003), de António-Pedro Vasconcelos, ou 20,13 (2006), de Joaquim Leitão.

No documentário, destaca-se o trabalho dos jornalistas Diana Andringa e Joaquim Furtado (ver entrevista) e dos realizadores Alberto Seixas Santos e Luís Filipe Rocha.

Margarida Cardoso, que nasceu em 1963 em Moçambique, onde o pai cumpria serviço militar, abordou o tema tanto na ficção como no documentário.

Em 1999 fez Natal 71, documentário com traços biográficos, que recupera um disco que os militares receberam com mensagens de propaganda do regime de Salazar. Cinco anos depois adaptou para cinema o romance de Lídia Jorge, passado também em Moçambique, A Costa dos Murmúrios.

"A minha geração [com mais de 40 anos] foi a ideal para fazer uma reflexão sobre a guerra colonial. Estamos ligados a ela porque há sempre uma pessoa na família que passou por isso ou tem uma história. Mas ao mesmo tempo não nos sentimos culpados por ela. É uma geração que está próxima e distante", disse a realizadora à Lusa.

"Devemos enfrentar o que fizemos de mal. E uma das coisas que correram muito mal foi a história dos retornados. Foi uma injustiça gigantesca, há um rancor e um desgosto que passou para filhos e netos", lastimou.

António-Pedro Vasconcelos, que tinha 22 anos quando a guerra começou, não se poupa nas críticas ao que não foi feito: "Temos tendência para esconder as memórias no sótão. Não fizemos o luto, não olhámos para as nossas feridas", disse à Lusa.

O realizador fez em 1974 o documentário Adeus até ao Meu Regresso, no qual reuniu depoimentos de soldados que estiveram na Guiné, a primeira ex-colónia a conquistar a independência.

Quase trinta anos depois estreou a ficção Os Imortais, a partir de um romance de Carlos Vaz Ferraz, em que as personagens são quatro ex-combatentes da guerra colonial.

"A ficção tem um papel catártico, as pessoas podem falar de maneira individualizada sem se fragilizarem, porque a guerra foi uma coisa terrível, condenada ao fracasso, traumatizante", disse.

Em 13 anos de guerra, para a frente de combate foram mobilizados um milhão de soldados, 10 mil morreram e 30 mil ficaram feridos.

Meio século depois do começo da guerra, António-Pedro Vasconcelos defendeu que o Estado tem a obrigação de promover a recolha de memórias.

Já João Botelho prefere olhar para aquele período como a época em que se deu "o nascimento de novos países em África com uma língua que nos une a todos".

Veja ainda:
Entrevista com Marta Pessoa, realizadora de Quem vai à guerra
Poesia sobre Guerra Colonial é um "imenso património de sofrimento"

Fonte:Lusa/SAPO
07 de Fevereiro de 2011

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