quarta-feira, 30 de abril de 2014

40 ANOS DE UMA REVOLUÇÃO - 25 DE ABRIL DE 1974

A Escola José Falcão do Agrupamento de Escolas de Miranda do Corvo coloriu-se para as cerimónias evocativas do 25 de abril de 1974, integrada nas comemorações promovidas pelo Município de Miranda do Corvo.
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As cerimónias tiveram início com a extraordinária interpretação pelo aluno Rodrigo Marinheira da canção: "E Depois do Adeus", a qual serviu de primeira senha à revolução de 25 de Abril de 1974, seguindo-se o içar da bandeira portuguesa com a entoação do Hino Nacional pelos alunos do grupo coral do Centro Educativo.

De seguida, o Presidente da Câmara Municipal, Dr. Miguel Batista, inaugurou a exposição: "O Fascismo e o 25 de Abril – Anatomia de uma revolução", onde é possível apreciar aspetos relacionados com as circunstâncias de vida no período da ditadura, vivenciar pelas imagens de jornais e revistas os acontecimentos do 25 de abril e os tempos que se seguiram. Encontram-se igualmente expostas ao público as insígnias e a espada do herói de Abril, Major-General Monteiro Valente, que será sempre um dos "amigos do Agrupamento", pese o fato de já não se encontrar entre nós.

AlunosCEA organização do evento, que esteve a cargo do Grupo Disciplinar de História em coadjuvação com os alunos do 12º ano, promoveu ainda uma palestra que contou com vários oradores, destacando-se a Drª Maria Teresa Osório, professora que foi ainda presidente do conselho diretivo da Escola José Falcão, a qual abordou aspetos da vida de uma professora em tempo de ditadura, do Dr. Adelino Castro, editor, o qual destacou o impato da censura na vida de um editor, do Dr. Jorge Seabra, membro do P.C.P. e ex-preso político, que dissertou sobre a perseguição na vida de um membro do Partido Comunista Português e do Dr. José Neves, ex-combatente da guerra colonial que abordou a problemática da guerra colonial na vida de um jovem. O período de intervenções foi concluído com a enérgica intervenção do cidadão José Dias, na abordagem a aspetos da clandestinidade e os choques que sofreu no âmbito do período em que foi exilado político.

Ao som do saxofone de Ana Teresa Castilho, aluna do 12º ano, um auditório repleto entoou a cantiga: "Grândola Vila Morena", coroando as cerimónias comemorativas do 25 de abril de 1974.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Educação antes e depois da revolução de abril


O dia em que a poesia desceu à rua

 «Valeu a pena ter vivido para poder escutar o espontâneo grito unânime de «Liberdade!» que, longamente reprimido, se soltou de repente de todas as gargantas no dia 25 de Abril de 1974, sobressaltando os corações e acordando-os (quem poderia ter acreditado?) de um sono letárgico de meio século. E tão frágil e inocente era essa unanimidade que poucos dias depois já se havia quebrado, cada um entrincheirado nas suas convicções e nos seus interesses procurando apropriar-se daquilo que, durante uma breve eternidade, foi de todos. Sophia chamou-o, a esse dia, de «dia inicial inteiro e limpo / Onde emergimos da noite e do silêncio». E só a palavra poética pode, de facto, alcançar na inesperada e desmesurada natureza de um dia assim, um dia em que a poesia, o que quer que a poesia seja, desceu à rua e se fez confusamente palavra, abraço, encontro, comum identidade. Desse dia guardo principalmente duas memórias: eu descendo a Avenida dos Aliados, no Porto, arrastado por uma multidão aturdida e semovente, dando a mão à minha mulher grávida e com a filha mais velha aos ombros agitando um cravo vermelho e gritando, também ela, «Liberdade! Liberdade!» sem saber o que dizia; e a imagem de um grupo de polícias (os únicos polícias que vi nesse dia, todos os outros se haviam misteriosamente sumido) tentando agarrar um miúdo de 9 ou 10 anos que os apedrejara e se escondera debaixo de um autocarro estacionado diante do Palácio dos Correios, o polícia graduado gritando à criança: «Vem cá para fora, cobarde!»

 Depois foi o que se sabe, uma sucessão de traições. O destino dos revolucionários é serem os cornudos da História, traídos pelos companheiros mais próximos e estes traídos, por sua vez, por outros traidores. E, como canta Jacques Brel, «nous voilà ce soir», porque as revoluções, repetindo Carlyle na sua História da Revolução Francesa, são sonhadas por apaixonados, realizadas por homens determinados, mas quem delas se aproveita são os oportunistas de todas as espécies.

 Assim foi (e como poderia não ter sido?) com o 25 de Abril. Os sonhos colectivos são animais tímidos, transformam-se facilmente em fé transbordante mas têm muitos inimigos: o tempo, a realidade prática, a sua própria desrazoabilidade. Mais tarde ou mais cedo recolhem-se a lugares inacessíveis do coração, como uma queimadura que dói de vez em quando, cada dia menos, ou então morrem sufocados sob o peso institucional.

 Que resta hoje desse dia «inicial, inteiro e limpo»? Memórias: uma canção (Grândola, Vila Morena), nomes, a maior parte de gente morta (Salgueiro Maia, Zeca Afonso, Melo Antunes...), e dissensão, e calúnias, e falsidades. Os vampiros voltaram, pousando nos prédios, pousando nas calçadas, «novos ratos mostram a avidez antiga», e o arbítrio, sob a forma de lei, reconstruiu pacientemente a mediocridade, a resignação, a desesperança, o medo.

O que aconteceu? Sophia explica-o melhor do que eu seria capaz:
 «É certo a esquerda fez erros / Caiu em desmandos confusões praticou injustiças //
Mas que diremos da longa tenebrosa e perita / Degradação das coisas que a direita pratica? //
Que diremos do lixo do seu luxo - de seu / Viscoso gozo da nata da vida - que diremos / De sua feroz ganância e fria possessão? //
 Que diremos de sua sábia e tácita injustiça / Que diremos de seus conluios e negócios / E do utilitário uso dos seus ócios? //
Que diremos de suas máscaras álibis e pretextos / De suas fintas labirintos e contextos? //
Nestes últimos tempos é certo a esquerda muita vez / Desfigurou as linhas do seu rosto //
Mas que diremos da meticulosa eficaz expedita / Degradação da vida que a direita pratica?»

Crónica de Manuel António Pina, DN